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Nova lei das startups: um primeiro passo para o desenvolvimento do empreendedorismo

O marco legal das startups, aprovado pelo Governo Federal no início de junho, pode ser considerado um divisor de águas para o ecossistema brasileiro de inovação, apesar do veto da medida mais esperada por investidores-anjos de todo o país, a compensação de perdas no Imposto de Renda Pessoa Física.

Esta é a análise do nosso Conselheiro Diretor em Gestão da Análise de Startups, Marcelo Deschamps.

“A nova lei chega para organizar melhor o mercado – o que nunca tivemos antes –, e só isso já traz certa segurança para quem deseja começar a investir em inovação. Porém, ela poderia aquecer ainda mais o ecossistema de startups, caso a compensação tributária do investidor-anjo tivesse sido aprovada – o que seria bom para todos os lados”.

Entre ganhos e perdas, vence o aspecto mais positivo: a repercussão dos assuntos “startups e inovação” na mídia e na sociedade, o que pode ampliar as possibilidades de investimento.

Confira os pontos de mudança mais relevantes da nova lei e os impactos dos vetos, de acordo com nossa análise:

Os principais pontos positivos da nova lei

Definição do que é considerada uma startup
Agora temos uma definição clara do que é uma startup aos olhos da lei, o que antes não ocorria. Com o marco, apenas se enquadram neste modelo as empresas que efetivamente atuam com inovação aplicada a modelos de negócios, produtos ou serviços, com receita bruta anual de até R$ 16 milhões, e até 10 anos de inscrição no CNPJ.

“Este é um dos pontos cruciais do marco legal, porque é importante que nesta primeira legislação constasse essa definição para organizar o ecossistema. Ser uma startup não significa ser uma PME qualquer. E o fato de o Governo ter considerado empresas que surgiram de 2011 para cá, bem à época do desenvolvimento da internet, foi para encaixar negócios focados em inovação tecnológica que antes não existiam, como os e-commerces, por exemplo”, comenta Marcelo Deschamps.

Investidor-anjo é isento de responsabilidades trabalhistas ou tributárias, mesmo se o negócio não der certo
Na prática isso significa que o investidor-anjo não é considerado sócio – mas pode se tornar um se quiser –, fica desobrigado a assumir qualquer dívida de startups mesmo em casos de recuperação judicial, mas é remunerado por seus aportes.

Além disso, o investidor também não tem direito a gerência ou voto na administração da empresa. Contudo, a participação como mentor ou consultor em Conselhos de Advisors continua valendo – uma prática bastante comum entre nossos associados Gávea Angels.

Para Deschamps, este é um avanço importante da lei “porque regulamenta o que é ser um investidor-anjo, trazendo maior segurança jurídica para quem tem interesse no investimento em startups, e possibilita o surgimento de novos investidores no médio e longo prazos”.

Incentivo a pesquisa e desenvolvimento
Do ponto de vista das startups, essa medida é a mais atrativa. A nova lei passa a considerar que qualquer empresa que receba algum benefício ou é obrigada a investir um percentual do faturamento em pesquisa e desenvolvimento – como concessionárias de energia e rodovias, por exemplo –, possa fazer isso por meio de startups.

“Todos os lados saem ganhando. É bom tanto para as grandes empresas, pois muitas não conseguiam cumprir o percentual obrigatório desse investimento, como para os empreendedores, pois incentiva o desenvolvimento das startups e novos mercados; é mais uma possibilidade de entrada de dinheiro no ecossistema”, aponta o conselheiro diretor.

E o reflexo da nova lei já desponta no mercado. No último dia 15 de junho, a Petrobras anunciou o programa "Conexões para Inovação”, um edital de R$ 22 milhões que dará oportunidade a startups das áreas de eficiência energética, tecnologia de segurança, robótica, redução de carbono e tecnologia digital, em projetos que variam entre R$ 500 mil a R$ 1,5 milhão. Espera-se que outras iniciativas como essa possam ocorrer nos próximos meses.

Aproximação com o setor público via licitações
Para Deschamps, esta medida abre uma nova frente de oportunidades às startups que poderão concorrer em licitações, e também ao Estado, que deve se beneficiar com a modernização de suas tecnologias no médio e longo prazos.

“Não sabemos ainda como isso vai funcionar na prática. Provavelmente, por causa da necessidade de soluções cada vez mais rápidas, é possível que os grandes fornecedores do setor público tenham certa dificuldade de acompanhar a demanda, o que pode levá-los a buscar parcerias com startups, ampliando o mercado”, avalia.

A abertura de editais é permitida para contratar soluções de inovação experimentais de startups em caráter de teste, em um modelo especial com duração de 12 meses, prorrogável por mais 12 meses. O valor máximo a ser pago a essas startups será de R$ 1,6 milhão.

O texto ainda diz que, caso as soluções funcionem, é possível adquiri-las por 24 meses, em um contrato que pode ser estendido por mais 24 meses, sem a necessidade de um novo edital.

Sandbox regulatório agora previsto em lei
Também conhecido como “ambiente regulatório experimental”, esta é uma prática já internacionalmente conhecida, mas ainda pouco aplicada no Brasil por, até então, não estar previsto em lei.

Trata-se de um regime diferenciado que simplifica a testagem de novos produtos, serviços e tecnologias com a autorização de órgãos regulatórios, utilizando regras menos rígidas que as vigentes. Ao término do período de testagem, o órgão regulatório pode optar em descontinuar o projeto ou, caso dê certo, manter a solução adequando as normas atuais.

O Banco Central (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, já possuem programas do tipo. Com a inclusão dessa prática no marco legal de startups, a tendência é de uma ampliação da iniciativa entre outras reguladoras do mercado.

“Os reflexos dessa medida devem aparecer em dois ou três anos. Apesar de já termos algumas iniciativas em andamento, ainda não temos nenhum Sandbox finalizado efetivamente. Conforme os reguladores vão experimentando o modelo, recebendo as inovações, eles podem mudar as regras atuais a qualquer momento. E, com isso, vem a possibilidade de mais participantes entrarem no mercado e outras startups surgirem”, diz o conselheiro.

Publicação eletrônica de balanço e demonstrações financeira
O que antes era um peso no orçamento, a publicação anual obrigatória do balanço e demonstrações financeiras em veículos impressos de grande circulação é substituída pela publicação por meio eletrônico às empresas com receita brutal anual de até R$ 78 milhões – um custo a menos para o dia a dia dessas startups.

O impacto dos vetos

Impossibilidade de o investidor pessoa física “compensar” as perdas pode inibir novos investidores e reduzir o tamanho dos aportes
Apesar de ser uma das medidas mais esperadas, a nova lei de startups não deu trégua. Os investidores-anjo seguem sem a possibilidade de abater as perdas do que foi investido em negócios malsucedidos do cálculo tributário dos ganhos de capital referentes seus aportes.

A decisão impacta a atração de novos investidores, principalmente aqueles mais inseguros em relação ao risco, de acordo com Deschamps. “A gente sabe que muitas startups ficam no meio do caminho. Se esse item fosse aprovado, certamente o ecossistema teria muito mais interessados em investir em inovação, porque poderia abater as suas perdas do Imposto de Ganho de Capital”.

O conselheiro também avalia que o veto reduz a quantidade de dinheiro que entra nesse mercado. “Com a ausência do benefício tributário, quem tem uma determinada quantia para aportar, vai pensar duas vezes antes de usar todo o dinheiro nesse investimento em virtude do risco”, explica ele.

O veto foi um pedido do Ministério da Economia, alegando que a proposta não apresentava estimativa do impacto orçamentário e financeiro e as medidas compensatórias da perda de receita pelo poder público.

Para Jorge Rocha, presidente da Gávea Angels, o que o mercado pedia era a equiparação ao tratamento dado aos investimentos em ações.

“A opção de investir em pequenas empresas inovadoras sempre será concorrente dos investimentos em bolsa, às vezes até com maior risco”. Para ele, essa decisão não geraria redução na arrecadação. “Isso porque hoje ela é quase inexistente, dado o número mínimo de saídas de investidores atualmente”, complementa.

Stock options sem alterações impõe risco trabalhista a startups
A compra de ações feita por funcionários é uma prática comum, usada por muitas startups para atrair e reter profissionais qualificados do mercado. Isso porque, nestes casos, a remuneração é pouco atrativa devido ao tamanho e característica dessas empresas.

Porém, é considerada uma questão trabalhista e vai continuar sendo, já que o Senado barrou a isenção de obrigações trabalhistas com a venda dessas ações, como era esperado.

“O ponto é que a justiça trabalhista considera as stock options como salário e cobra encargos como tal. Na prática, a compra de ações vai continuar acontecendo por conta da baixa remuneração oferecida. Algumas startups chegam a separar até 20% de suas ações aos funcionários. O mesmo acontece em outras organizações também. Até por isso, este ponto era difícil de passar em virtude da polêmica com outras empresas que utilizam a mesma política”, avalia Deschamps.

O ecossistema de startups ainda tem muito a experimentar e sentir como o mercado vai reagir e se adaptar à nova lei. Certamente as mudanças não vão parar por aí e outras adequações ainda devem ser discutidas ao longo do caminho.


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